O tratado de paz da tradução
Por Janaina de Aquino
Atualmente lendo “A tradução de rótulos de comestíveis e cosméticos” de Cristiane Roscoe Bessa, no capítulo 3 sobre Toxicologia me deparei com um trechinho que diz “o tradutor deve procurar ter algum conhecimento sobre toxicologia, pois qualquer resvalo na tradução poderá ter implicações graves, colocando em risco a saúde ou o bem-estar do consumidor”. Eis uma das verdades mais puras, pois um tradutor, diante de seu objeto de trabalho, deve sempre ter seu público alvo em mente a fim de evitar quaisquer danos, em maior ou menor grau, físicos ou psicológicos, cometidos contra aqueles que dependerão da tradução. E quantos de nós não confiamos, na maioria das vezes inconscientemente, no que lemos e ouvimos traduzidos por aí? Essa confiança que depositamos nos tradutores ou que os demais depositam em nós, aprendizes de tradução, não deveria ser jamais quebrada. Um manual mal traduzido compromete o funcionamento de uma máquina; um rótulo mal traduzido induz o consumidor a levar gato por lebre; um livro mal traduzido torna um livro bom em um livro ruim; uma legenda mal traduzida não condiz com a imagem a ela veiculada; um tratado mal traduzido gera conflito entre dois povos e assim por diante. Mediante isto, um tradutor não deve esquecer nunca a sua missão de intermediador entre duas línguas, dois povos, duas culturas, dois interesses. E deve ser de seu maior interesse tornar diferentes interesses em um fim mútuo, em um consentimento de que, embora não se concorde com que o outro diz, se compreenda perfeitamente o ponto de vista um do outro. Com isso, o tradutor não estaria buscando a perfeição, inerente somente a aqueles ditos divinos, mas estaria simplesmente intermediando, esse que considero o maior papel humano. O tratado de paz entre o tradutor e seu público alvo acontece quando o primeiro não trai a confiança do segundo, posto que o segundo nunca se esqueça da condição humana inerente a ambos. Este tratado é selado quando um confia que o outro cumprirá de forma racional e legítima a sua parte, sem lesar a do outro. Assim, a princípio, um deve confiar na competência e responsabilidade do outro em desempenhar sua função, bem como ter plena consciência do seu direito de contestar e argumentar com o outro quando essa função for negligenciada. Na prática da tradução, isso significa dizer que
o público a priori deveria confiar na tradução diante de si, pois ela não chegou em suas mãos por mero acaso – ela foi fruto do trabalho de alguém que se dedicou, mais ou menos, para concretizá-la. Em caso de desconfiança quanto ao objeto traduzido, o público tem o direito de averiguar se suas suspeitas são solidamente fundadas, por exemplo, consultando o texto original e constatando ou deduzindo pela fonte as falhas geradas durante o processo tradutório. Por outro lado, não é legítimo simplesmente acusar a tradução como ruim, mal feita, pois isso lesa o tradutor. Contudo, trata-se de uma lesão virtual e infrutífera, já que um público com tal comportamento perde a credibilidade da sua opinião – é muito fácil ver traduções ruins, reclama-las mas não muda-las. Diante de um trabalho ruim, o público é convidado a reclamar seus direitos, o direito de efetivar a regra básica da função linguagem: estabelecer contato com o outro – um contato sem ruídos, sem interferência, sem interpretações errôneas. Entre os elementos da comunicação, temos:
o público a priori deveria confiar na tradução diante de si, pois ela não chegou em suas mãos por mero acaso – ela foi fruto do trabalho de alguém que se dedicou, mais ou menos, para concretizá-la. Em caso de desconfiança quanto ao objeto traduzido, o público tem o direito de averiguar se suas suspeitas são solidamente fundadas, por exemplo, consultando o texto original e constatando ou deduzindo pela fonte as falhas geradas durante o processo tradutório. Por outro lado, não é legítimo simplesmente acusar a tradução como ruim, mal feita, pois isso lesa o tradutor. Contudo, trata-se de uma lesão virtual e infrutífera, já que um público com tal comportamento perde a credibilidade da sua opinião – é muito fácil ver traduções ruins, reclama-las mas não muda-las. Diante de um trabalho ruim, o público é convidado a reclamar seus direitos, o direito de efetivar a regra básica da função linguagem: estabelecer contato com o outro – um contato sem ruídos, sem interferência, sem interpretações errôneas. Entre os elementos da comunicação, temos:
Onde: emissor - emite, codifica a mensagem
receptor - recebe, decodifica a mensagem mensagem - conteúdo transmitido pelo emissor código - conjunto de signos usado na transmissão e recepção da mensagem referente - contexto relacionado a emissor e receptor canal - meio pelo qual circula a mensagem (Fonte: http://www.graudez.com.br/literatura/funling.htm) Na prática da tradução, esses elementos poderiam ser rearranjados da seguinte forma:
Isto nos mostra que o texto fonte trata-se da mensagem em si. O tradutor tem a função de rearranjar e lidar com os demais elementos – contexto, código, mensagem e canal – de modo que eles não causem dano para a interpretação da mensagem pelo receptor, ou o público. Uma vez que essa interpretação possa ser mal compreendida, então os dois lados são lesados, em maior ou menor intensidade, pois o público recebe uma tradução ruim e o tradutor julgamentos piores ainda. No final, o tratado é desrespeitado e viciamos o ciclo da situação vivida por muitos tradutores hoje, os quais têm seus trabalhos desrespeitados por insultos válidos ou não. Contudo, ainda não está realmente claro ou transponível o obstáculo que se interpõe entre o tradutor e o público impedindo um respeito mútuo, onde o tradutor tenha consideração por aquele que recebe sua mensagem e o público respeito por aquele que cumpriu – ou tentou cumprir – seu trabalho genuinamente. As falhas que compõem esse obstáculo são muitas mas o que realmente incomoda é a falta de tentativas para eliminá-las ou amenizá-las. Pouco se pensa sobre esse tratado, mesmo que sob outras denominações, que pacifique a relação entre tradutor e público e ouso dizer que tal esforço é inerme principalmente por parte do tradutor, uma vez que o a reação negativa do público é apenas um reflexo contra algo que lhe parecia ameaçador ou errado, reflexo inato do ser humano. Embora tal reflexo, vulgarmente exemplificado, seja mais comum entre aqueles que tiveram oportunidade de conhecer a língua original da tradução em questão e se deparam com uma situação similar, considero que os demais, vulneráveis pelo desconhecimento lingüístico, cultural, etc. são igualmente lesados, mesmo que não estejam conscientes disso.
Um comentário
É importante lembrar que todas as traduções, se mal feitas, causam graves danos a todos. Primeiramente, em um nível micro ao cliente principal da tradução e ao tradutor que cometeu o erro. Mas em uma visão mais ampla, tal erro reflete em todo o contexto da tradução. O cliente que sofreu com o erro começa a propagar uma idéia irreal da tradução atingindo a todo o provável e futuro público. Sucessivamente a confiança entre tradutor e receptor vai se desgastando, bem como a imagem do tradutor e seu trabalho. São por essas e outras que ideias anti-tradução são propagadas aos sete ventos.
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