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A triste verdade sobre os livros infantis


Por Janaina de Aquino

Mãe e filha fizeram um experimento (confira aqui neste vídeo, em inglês) sobre livros infantis e constataram uma triste verdade.

Em uma livraria, removeram todos os livros sem nenhuma personagem do sexo masculino. No total, foram descartados 3 livros.


Em seguida, quando as duas retiraram todos os livros sem uma personagem sequer do sexo feminino, o número saltou para 76 livros que saíram da estante.

Na sequência, separaram os livros em que as personagens femininas não têm fala: foram 141 obras de garotas sem voz.

Quanto aos livros restantes, as personagens femininas têm alguma fala, mas estão limitadas à espera de um príncipe, sem abordar seus sonhos e aspirações como mulher.

A estante, livre de todos os livros que não têm princesas, ficou assim:


Compare o contraste com a estante cheia:


Qual a importância de um experimento simples, mas bastante revelador como este?

Como bem se sabe, parte do que somos hoje como adultos e adultas depende de estímulos que recebemos em tenra idade. Para aqueles e aquelas que tiveram e têm a chance de crescer em meio aos livros, a fonte de inspiração requer, em tese, um pouco mais de representatividade e perspectiva para o futuro. E qual seria a visão de mundo assimilada por meninos e meninas quando seus  livros, se separados por gênero, prospectam objetivos claramente díspares? 

Ora, li e vi muito filme quando criança, mas as três únicas personagens que me recordo donas de um gênio mais forte foram Ariel, em A pequena sereiaMulan e Pocahontas: a primeira teve sua voz silenciada para que pudesse realizar seu sonho (o.k. ficar perto do príncipe); a segunda, para provar suas habilidades, precisou de disfarçar de homem; já a terceira teve sua história real alterada para viabilizar um par romântico com o colonizador John Smith (ela era, na verdade, uma criança na época que as caravelas inglesas chegaram na América e John Smith já tinha sua idade avançada). No fim, Ariel acaba se casando, Mulan é considerada uma princesa Disney, mesmo não sendo filha de rei ou rainha e não sendo casada com um príncipe, e, Pocahontas vai um pouco além no "seu desvio de conduta", uma vez que caracterizada propositalmente com bastante altivez para refletir a mulher dos anos 1990, "apesar de logo no início da película ela cantar uma canção sobre querer segurança e um homem que a ame, com o desenrolar da trama ela se depara com o abismo existente entre seu próprio mundo e o mundo de quem ama," optando pela sua terra e pelo seu povo. Pocahontas foi um marco para "o fim do sexo frágil e da ideia de que certas características como racionalidade, coragem, força de vontade fossem apenas masculinas". Afora esses exemplos, todas as demais referências bibliográficas da minha meninice remontam a personagens femininas retratadas como fadas, bruxas ou princesas indefesas em algum estado de inércia, quer seja adormecida ou aprisionada em uma torre até o momento que, voi lá, um princípe as libertasse. Aliás, fica por conta deste a responsabilidade de quebrar o encanto da apatia, é ele quem tem coragem de se embrenhar em florestas espinhosas e coragem para derrotar dragões. A força motora que guia e fomenta o universo masculino dos meus irmãos à época podiam, ainda, se espelhar em outras obras com personagens argutos, perspicazes e com tino para liderança na pele do Rei Leão, Aladin, Woody e Buzz em Toy Story, Tarzan... enfim, a lista é extensa. Seria uma coincidência que, conforme mostram estudos, meninas, ainda na sua fase escolar, são menos autoconfiantes do que os meninos e, geralmente, consideram-se menos talentosas?

A verdade é que esta abordagem, embora tímida frente à grande produção de conteúdo voltada para o público infantil, tem se adaptado nos últimos anos, como se vê nos filmes mais recentes da Disney e Pixar, em que personagens como Valente e Moana são independentes e aventureiras. O caminho em direção a mudanças realmente expressivas, sem as pedras com o peso do estereótipo entre meninos e meninas, ainda é longo. Mais de vinte anos se passaram e as gerações que me sucederam ainda leem histórias onde garotas não têm a voz e vontade próprias, como evidencia o vídeo acima. 

Devemos culpar os livros de literatura infantil por isso? Claro que não. Existe uma série de outros fatores que contribui para a consolidação de estereótipos e mina a autoestima feminina - o que não afasta as histórias de ninar como parte do problema. Isso não quer dizer que a humanidade está completamente privada de ícones femininos reconhecidas por sua influência e pioneirismo. Muito pelo contrário. Falta-lhes representação.

Cientes e preocupadas com este cenário, Elena Favilli e Francesca Cavallo lançaram “Histórias de ninar para garotas rebeldes – 100 fábulas sobre mulheres extraordinárias”, um livro sobre a vida de cem mulheres do passado e do presente ilustradas por 60 artistas mulheres do mundo inteiro.

Poderia dizer que é um livro para mulheres, sobre mulheres e por mulheres, mas apenas as duas ultimas partes seriam verdadeiras: ele representa, em especial, um meio para que tanto meninas quanto meninos tomem conhecimento e se inspirem na trajetória real de personagens que estavam à frente do seu tempo, engajadas em áreas diversas, como ciências, literatura, artes, esportes e política. Traz à luz personagens reais com as quais a garotada pode sonhar em se tornar tudo o que quiser. A necessidade de uma obra como esta é urgente, vide a figura que, ocupando um cargo de grande visibilidade, diz ter "convicção do que a mulher faz pela casa" (neste caso, um palácio), cuja esposa é representada como bela, recatada e do lar, com direito a um discurso de meros dois minutos (contra dez do esposo).



“Histórias de ninar para garotas rebeldes – 100 fábulas sobre mulheres extraordinárias” já está disponível no Brasil na Cia dos LivrosLivraria da TravessaSaraiva e nas lojas físicas da Livraria Nobel do Rio de Janeiro. O preço de venda varia entre R$ 84,92 (Cia dos Livros) e R$ 99,90 (demais livrarias) e no site da V&R Editoras, responsável pela publicação.

★★★

Em tempo, particularmente no caso das crianças brasileiras, em sua maioria mestiça, vale a pena conferir a lista de 100 livros infantis com meninas negras.

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