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Poder e Cultura: O Lado Obscuro da Tradução

Por Luiz Andrade




Esse trecho é proveniente de "Escândalos da Tradução" (The Scandals of Translation- Towards na ethics of difference) de Lawrence Venuti – leitura obrigatória para os estudantes de tradução. E o diferencial desse livro é que se trata da ótica de um cidadão dos Estados Unidos discutindo as relações de globalização, poder e imposição de cultura relacionadas à tradução. Vale a pena conferir:


“A tradução é particularmente reveladora das assimetrias que têm estruturado as relações internacionais durante séculos. Em muitos países ‘em desenvolvimento’ (um termo que será usado aqui para indicar uma posição subordinada na economia capitalista global), ela tem sido compulsória, imposta primeiro pela introdução das línguas coloniais entre as regionais vernáculas e, mais tarde, depois da descolonização, pela necessidade de tráfego nas línguas francas hegemônicas para preservar a autonomia política e promover o crescimento econômico. Assim, a tradução é uma prática cultural que está profundamente implicada nas relações de dominação e dependência, igualmente capaz de mantê-las ou interrompê-las. A colonização das Américas, da Ásia e da África não poderia ter ocorrido sem intérpretes, tanto nativos quanto coloniais, tampouco sem a tradução de textos efetivos, religiosos, legais e educacionais. Os projetos neocoloniais recentes das corporações multinacionais, sua exploração da força de trabalho e dos mercados internacionais, também não podem avançar sem uma grande quantidade de traduções, variando desde contratos comerciais, manuais de instrução e cópia de propaganda até romances populares, livros infantis e trilhas sonoras de filmes. A funcionalidade da tradução se verifica igualmente nas iniciativas produzidas a partir das posições subordinadas, algumas direcionadas contra o império, outras em cumplicidade com um capital globalizado. As traduções de textos estrangeiros contribuíram para o nacionalismo militante de movimentos anticoloniais. De acordo com as estatísticas da UNESCO, o autor mais freqüentemente traduzido no mundo entre 1955 e 1980, foi Lênin. Em países em desenvolvimento, as traduções tem desempenhado um papel crucial no enriquecimento de línguas e literaturas autóctones, incentivando a leitura e a publicação. Para as culturas letradas com meios de comunicação avançados ou se estabelecendo, as traduções acompanharam acordos lucrativos com editores multinacionais e companhias cinematográficas e televisivas sustentando o desenvolvimento industrial ao construírem públicos-leitores da língua nativa para os produtos culturais de países hegemônicos. 
Uma vez que a tradução está sempre direcionada para públicos leitores específicos, ainda que definidos de modo vago ou otimista, seus possíveis motivos e efeitos são locais e contingentes, diferindo de acordo com posições de maior ou menor importância na economia global. Isso talvez fique mais claro em relação ao poder da tradução de formar identidades culturais, de criar a representação de uma cultura estrangeira que simultaneamente constrói uma subjetividade doméstica, fundamentada nos códigos e ideologias domésticos que tornam a representação inteligível e culturalmente funcional. Nos países hegemônicos, a tradução modela imagens de seus Outros subordinados, que podem variar entre os pólos do narcisismo e da autocrítica, confirmando ou interrogando os valores domésticos dominantes, reforçando ou revendo os esteriótipos étnicos, os cânones literários, os padrões de mercado e as políticas estrangeiras às quais outra cultura possa estar sujeita. Nos países em desenvolvimento, a tradução modela imagens de seus Outros hegemônicos e deles próprios que podem tanto clamar por submissão, colaboração, ou resistência, que podem assimilar os valores estrangeiros dominantes com a aprovação ou aquiescência (livre empreendimento, devoção cristã) ou revê-los criticamente para criar auto-imagens domésticas mais oposicionistas (nacionalismos, fundamentalismos)."


Espero que tenham gostado. Cabe a nós, também, pensarmos grande e tomarmos consciência de que nossas escolhas como tradutores afetam um contexto geral e amplo e que esses efeitos tendem a repercutir em um cenário global.

Um comentário

Ana Flávia Lucas disse...

Que a informação é algo valioso...é algo meio óbvio. Importante é as pessoas colocarem isso em prática. Fundamental a participação do tradutor nesse contexto.
Que autor bom! Queria perguntar para ele o que ele acha de não existir uma tradução (que eu saiba, claro) para estadunidense. Porque, afinal de contas, eu sou americana e não nasci nos EUA.