Bittersweet Literature: Lenda Urbana e a Tradução Agridoce
✎ Por Janaina de Aquino
A partir de um texto escrito por Ambrose Bierce , escritor e jornalista americano, na língua inglesa, delineando algumas reflexões teóricas acerca do processo tradutório e demais fatores envolvidos, mostraremos como é possível esboçar trabalho mais formal da prática de tradução de textos literários.
Segundo o dicionário online de etimologia, Online Etymology Dictionary[1] o significado de bitter foi alterado ainda na era pré-histórica de biting (“morder”) para acrid-tasting (“sabor ácido ou amargo”). No século 14, passou a fazer referência também a estado de espírito e a palavras, no sentido figurado ou literal, marcado por ressentimento, cinismo ou sarcasmo.
A expressão Bitter Literature foi cunhada neste como alusão direta à literatura do escritor e jornalista norte-americano de Ambrose Bierce (1842 – 1914?), ambos conhecidos pelo teor arrogante e cínico que acabou rendendo-lhe a alcunha de Bitter Bierce e sugerindo o tipo de tradução a ser realizado aqui – a “tradução agridoce”.
Retrato de Ambrose Bierce |
Ambrose Bierce nasceu em Meigs County, Ohio, em 1842. Influenciado pelas idéias de seu tio, Lucius Bierce, tornou-se um ardente abolicionista e, após ir para a guerra civil americana em uma das companhias da Marinha organizadas pelo tio, começou a se interessar pelos assuntos relativos à guerra – provavelmente pelo aspecto “aventureiro” que proporcionavam.
Bierce frequentou, por um curto período, o Instituto Militar de Kentucky. Contudo, interrompeu o curso e não recebeu um diploma, motivo pelo qual recebeu impiedosas críticas contra suas habilidades gramaticais, consideradas precárias. De todo modo Bierce continuou a escrever a quem interessava, seus leitores.
Embora demonstrasse (excessivo) interesse por assuntos relacionados a aventuras, guerras e sobrenaturais ou inexplicáveis, transcrevendo-os de maneira ácida para sua literatura, seu público leitor era vasto, ávido e fiel.
De fato, devido ao estilo jornalístico e cru de Bierce, muitos se interessavam por suas histórias envoltas em uma atmosfera de suspense e terror, conquanto escritas com intenso realismo – despertando, portanto, o pressuposto de se tratarem de histórias verdadeiras.
Não obstante Bierce fosse considerado um homem estranho, excêntrico, o interesse por assuntos de tal temática, aparentemente, surgiu a partir de situações vividas pelo próprio escritor, em especial após uma que escutara em 1854.
Orion Williamson: personagem de famosa lenda nos Estados Unidos |
Conta-se que neste ano em Selma, Alabama, um fazendeiro chamado Orion Williamson desapareceu misteriosamente, em um piscar de olhos e sem deixar vestígios, diante de quatro pessoas enquanto atravessava o pasto de sua casa. Os empregados da fazenda, vizinhos e aqueles que presenciaram o súbito desaparecimento partiram em sua busca durante várias horas; depois trouxeram cachorros farejadores e no dia seguinte chegaram diversos voluntários e geólogos das comunidades próximas. Escavaram o ponto e arredores de onde Williamson desaparecera, até encontrarem, a poucos metros da superfície, rocha sólida. Não havia nenhuma caverna, abertura ou fenda para abrigar seu paradeiro, no entanto ele simplesmente dissipara no ar.
A extraordinária história chamou atenção de jornalistas e, inclusive, de Bierce. O jornalista entrevistou diversas pessoas ligadas ao caso, bem como especialistas com teorias sobre o paradeiro do fazendeiro, entre as quais inclui-se a do alemão Maximilian Hern. Segundo Hern, Williamson teria caminhado para o “ponto de vácuo do éter universal”, o qual dura apenas alguns segundos, mas que é capaz de destruir qualquer material que atravesse-o. Outros afirmavam que ele passara por um “campo magnético” periódico com a mesma capacidade de destruir estruturas atômicas e enviá-las para outra dimensão.
Não obstante as teorias bizarras e o próprio desaparecimento inexplicável de Williamson, sua esposa afirmara à época que meses após o desaparecimento, surgiu um estranho círculo no exato local onde ele fora visto pela última vez. Quando a grama dentro do círculo “morreu”, a esposa relatara que passou a ouvir a voz dele, conquanto não o avistasse em parte alguma, até que a voz, no decorrer de duas semanas, cada vez mais fraca, cessou definitivamente.
Todo esse quadro assombrado atraía a atenção de Bierce, o qual era especialmente fascinado – ou obsessivo – por histórias relacionadas a desaparecimentos inexplicáveis, tendo escrito diferentes histórias sobre o mesmo tema. Tal era sua “fascinação”, que algum tempo depois envolto por esses assuntos, o jornalista e escritor passou a aludir ao seu próprio desaparecimento repentino e inexplicável, o que de fato se concretizou entre 1914 e 1915 no México, para onde partira para cobrir uma guerra e desapareceu sem deixar vestígios.
No entanto, Bierce deixou um legado de histórias, na forma de 14 livros e dezenas de contos, inclusive o famoso e infame “O dicionário do diabo”, com entradas como “sozinho” significa estar em “má companhia”. Apesar das críticas em torno de seu caráter sarcástico e arrogante, diluído em seu estilo literário, algumas de suas histórias foram plagiadas ao longo dos anos.
Em 1889, por exemplo, a mesma história de Williamson foi recontada por um vendedor chamado McHatten. Em um dia que estava impossibilitado de seguir viagem devido a uma tempestade, McHatten resolveu contar a história para vendê-la aos jornais, trocando o nome de Orion Williamson para David Land, o local do Alabama para Tennessee e o ano de 1854 para 1880.
Neste ponto, é possível introduzir o parelismo proposto com tema de discussão: lenda urbana. Segundo a narração até aqui, ocorreu um fato misterioso, porém legitimado por testemunhos e evidências da época. Com características similares, a lenda urbana noticia um fato misterioso ou alarmante, sempre com a presença de testemunhas (amigo do seu amigo) e geralmente com uma mensagem ou apelo induzindo a propagação da história (“avise seus pais, amigos e irmãos!”) com vistas a não quebrar o ciclo. No entanto, durante o intervalo e modo de difusão, a história ou a lenda pode ser alterada consideravelmente, como no caso da história aqui narrada, fora difundida com “ajuda” de Bierce e depois distorcida por McHatten.
O fato é que a maioria das lendas urbanas não possui uma data fixa e sequer evidências de legitimidade que sejam realmente fidedignas. Se em um momento aconteceu com seu amigo, em outro aconteceu com o amigo do seu amigo ou até com você mesmo.
Recentemente, recebi um email contando a história, em língua portuguesa e em primeira pessoa, no qual o rapaz relatava ter saído de uma festa muito alcoolizado e no caminho para casa se deparou com uma barreira policial, o que lhe acarretaria uma multa penosa. Ao ser solicitado para realizar o teste do bafômetro, contudo, ocorreu um grave acidente do outro lado da estrada e o policial imediatamente o liberou. Aliviado,
partiu para casa bastante satisfeito pela “sorte” e dormiu pesadamente até o dia seguinte, quando acordou com sua mãe perguntando-lhe qual a explicação da viatura da polícia na sua garagem. O curioso é que deparei-me com a mesma história, agora contada em terceira pessoa, língua portuguesa e rotulada como lenda urbana, onde no lugar da mãe, o sujeito acorda com o chamado não da mãe, mas do policial em busca de seu carro! A mesma história aparece, inclusive, em um filme, Gênio Indomável (1997), contada por um dos personagens como se tivesse sido vivenciada por seu amigo.
De acordo com a página online How Stuffs Work[1], a lenda urbana pode ser difundida como fato ou como história, sendo que:
Em geral, uma lenda urbana consiste em qualquer história moderna, história, contada como verdadeira que atinge um público grande, sendo passada de pessoa para pessoa. Lendas urbanas geralmente são falsas, contudo nem todas. Poucas revelaram-se difusamente verdadeiras, muitas das quais inspiradas por um evento real, porém envolvido por algo diferente ao passar de uma pessoa para outra. Na maioria dos casos não é possível rastrear o ponto de origem de uma lenda urbana – elas parecem ter surgido do nada[2].
Ademais, conforme o exemplo do filme Gênio Indomável, algumas lendas urbanas podem surgir a partir de histórias que se ouve em livros ou assiste em filmes, sendo recontadas devido ao teor fantástico ou formidável assumidos pelos interlocutores. É possível, contudo, que o narrador esqueça onde realmente ouvira o conto pela primeira vez e criara um fato ou outro simplesmente para tornar a história mais “interessante”. “Interessante” pode ser também contá-lo como um evento real ao invés de uma cena de filme. Por conseguinte, aquele(a) que ouviu à narração, pode passa-la pra frente, segundo sua percepção e idiossincrasias.
Entre os elementos que compõem uma lenda urbana, incluem-se situações que combinam humor, horror, advertência, constrangimento, aspectos morais, apelo ou empatia. A seguir são apresentados os sinais que provavelmente indicam se tratar de um texto desse tipo, segundo o How Stuff Works:
Aconteceu com um amigo do amigo, não ao narrador da história.
Existem diferentes versões.
O principal tema é um recorrente na mídia ou entre rumores das pessoas: morte, sexo, crime, contaminação, tecnologia, etnia, estereótipos, celebridades, horror ou burla/afronta ao sistema.
A história contém algum tipo de advertência ou lição de moral.
A história é muito extravagante/bizarra ou boa demais para ser verdade.
Por fim, a lenda urbana é classificada de duas formas: contaminação ou admonitória (de advertência). A primeira apresenta lições de moral ou advertência, exemplificada pela história do rapaz ou moça que acorda em uma banheira cheia de gelo e um recado para ligar para o serviço de saúde mais próximo, pois seus rins foram retirados pelo mercado negro de órgãos humanos. Para isso, a vítima teria encontrado o indivíduo, sempre de boa aparência, em uma boate e aceitado sua bebida, passa a noite bebendo, saíram juntos e aparentemente terminaram a noite em um quarto de hotel até não se lembrar de nada mais e acordar na referida situação. As referências presentes na história aludem a fatores comuns na vida de muitas jovens atuais, isto é, uma boate, onde se tem a tendência de encontrar pessoas de boa aparência e interagir com elas, aceitando bebidas e convites para saírem juntos. Deste modo, a história alerta ao fato de não confiar em estranhos, sob uma ótica diferente daquela possivelmente apontada pelos pais desses jovens alguns anos antes, a fim de não acabar em uma situação delicada ou ruim.
Por outro lado, a segunda variação da lenda urbana alerta a eventos alarmantes de possível contaminação, como de urina de ratos sobre o selo de latas de refrigerantes e demais alimentos pré-empacotados ou chicletes com adesivos contendo LSD vendidos para crianças.
Essa necessidade de se alertar através de historias, com ou sem fundo moral, é datada desde os tempos dos contos de fadas ou lendas, segundo o folclore das diferentes culturas. Na Europa antiga, as florestas ofereciam muitos perigos aos aventureiros, tais como animais ferozes (ou bruxas, ogros e anões) e lugares “nunca visitados antes, para onde quem se aventurou a ir jamais voltou ou foi visto outra vez”. Tratava-se de um apelo evidente a aqueles que pretendiam embrenhar-se pelos bosques obscuros e desconhecidos.
Demonstrando que ainda temos muito em comum com nossos ancestrais ou povos antigos, a história de “Chapeuzinho vermelho”, originada supostamente no século 17 a partir do folclore francês, adverte sobre não falar com estranhos e/ou não desviar do caminho indicado, principalmente pela mãe. Conforme a história dos ladrões de órgãos, apesar das recomendações para não aceitar bebidas de estranhos, outros “chapeizinhos” acabam desviando o caminho indicado e aceitando os conselhos de “lobos”.
No conto de Robbin Hood, do folclore inglês e originado na época medieval, apesar das evidências que aludem à sua existência factual[1], certamente acautelou muitos ricos contra saqueadores escondidos nas florestas, prontos para roubá-los e doar as pobres.
Entre as lendas do folclore brasileiro, a origem da mula sem cabeça a partir da versão mais difundida apregoa que se “uma mulher, virgem ou não, estivesse fazendo sexo e fosse interrompida por um padre católico se transformaria em mula sem cabeça. Outra versão é que, se um padre engravidasse uma mulher e a criança fosse do sexo feminino viraria mula sem cabeça e se fosse menino seria um lobisomem”[1] possivelmente apelam a leis da religião católica, na qual veta-se o sexo antes do casamento e o adultério, bem como impõe a castidade por parte dos padres.
O artigo de How Stuff Works ressalta que, ao longo dos anos, entretanto, essas lendas adaptaram-se às mudanças e costumes sociais, onde personagens se deparavam com situações fantásticas ou mesmo se transformavam em criaturas fantásticas. À medida que os povos mudaram-se para as cidades, as mitologias gregas ou contos de fadas tornaram-se inviáveis, pois agora os novos inimigos das pessoas consiste de ladrões e o perigo das drogas.
Embora na história de “Branca de Neve e os Sete Anões” já se alertava ao consumo de uma substância oferecida por um estranho, apresentando as conseqüências, cuja lição de moral foi perpetuada até a atualidade em uma representação totalmente diferente (os ladrões de órgãos ou chicletes com LSD, no qual o último infere a possível dependência à substância), a sociedade atual, salvo o público infantil, não é mais afetada por conseqüências ou transformações fantásticas.
Sob a ótica do mundo contemporâneo, a transformação de uma abóbora em uma carruagem e de ratos em cocheiros, sem qualquer espanto de Cinderela, foge ao “senso comum” e é acolhida somente pelas crianças. Por outro lado, situações inusitadas, e mesmo de caráter claramente – ou aparentemente – duvidoso, são aceitas, toleradas e acreditadas por jovens e adultos porquanto reúnem fatores que fazem parte da realidade: um homem sai bêbado de uma festa, depara-se com uma barreira policial e liberado graças a um acidente próximo e o qual a polícia precisará socorrer; mesmo que o ápice da história seja extraordinário (levar o carro da polícia ao invés do seu), é perfeitamente passível de acontecer considerando o determinante da história: o seu motorista estava muito alcoolizado e, portanto, seus sentidos encontravam-se alterados, sem capacidade de discernimento adequado.
Neste sentido, é possível dar início a uma breve reflexão teórica, relacionando e delineando aspectos ligados às considerações expostas até o momento sobre a literatura de Ambrose Bierce, lenda urbana e características da mesma a partir dos diálogos teóricos entre Arrojo (1992, 1993, 1997), Bakhtin (1997) e Nord (1991) arranjados na tese de Ladjane de Souza em dezembro de 2006 e publicada em dezembro de 2006 na revista online “Scientia Traductionis”[1].
Os referido diálogos foram, portanto, rearranjados com um novo enfoque, como uma proposta de releitura da mesma, ou como melhor definido a seguir, na forma de “réplica”, “texto-resposta”, ajustando-os ao propósito.
1 Reflexão teórica
Sob o olhar da investigação acadêmica, orientada pelos estudos de tradução de textos literários, a lenda urbana, segundo o foco aqui delineado, assemelhasse-se ao modelo de Nord (1991), o qual busca situar “qualquer texto com qualquer ‘skopos’[1] de tradução”, a partir do momento que se identificarem três aspectos fundamentais do texto: a) tempo e espaço, b) cultura e, c) a função comunicativa do texto.
Porém, antes de prosseguir nesta reflexão, sempre amparada pela tese de Ladjane de Souza, é importante incluir a concepção de Nord (1991) acerca da tradução como “comunicação intercultural”, a qual clarifica que culturas distintas, falantes de línguas distintas, comunicam-se de forma distinta.
Entrelaçado, encontra-se o posicionamento de (Arrojo, 1992) em relação ao significado, segundo a não está preservado no texto, mas, sim, “na trama das convenções que determinam, inclusive, o perfil, os desejos, as circunstâncias e os limites do próprio leitor” (Souza apud Arrojo 1992), o qual se apodera do sentido do significado de acordo com essa trama. Deste modo, de acordo com Souza, o inescapável destino dos leitores torna-os eternos “tradutores”, condicionados a “construir textos a partir de outros textos”, assim como construímos enunciados a partir de outros enunciados.
Por conseguinte, a autora, amparada pelo teórico russo Bakhtin, para o qual o texto possui aspecto bipolar, ela afirma que “é traduzindo, isto é, transformando as palavras do enunciado do outro em palavras do nosso próprio enunciado, que ingressamos no jogo criador da linguagem, que nada mais é do que a construção de textos que são respostas a textos anteriores, ou seja, textos que são enunciados, elos na “cadeia de textos” (Souza, 2007). Um texto, contudo, não buscaria a “mera” resposta de outro texto, mas uma resposta ativa, imbuída de estímulos favoráveis ou contrários:
o locutor postula esta compreensão responsiva ativa: o que ele espera, não é uma compreensão passiva que, por assim dizer, apenas duplicaria seu pensamento no espírito do outro, o que espera é uma resposta, uma concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, etc. A variedade dos gêneros do discurso pressupõe a variedade dos escopos intencionais daquele que fala ou escreve. (Souza apud Bakhtin: 291).
Até este ponto consideramos a capacidade do leitor em assumir o significado de um texto segundo suas circuntâncias, em construir textos (ou enunciados) sobre outros textos e originar textos-respostas, para finalmente refletirmos sobre as respostas suscitadas por esses textos. Esses textos, contudo, afirma Nord, pode ter tantas funções quanto recipientes, inclusive se o mesmo leitor, ou “receptor”, for a mesma pessoa em épocas diferentes. Sob este prisma, é o leitor quem define a função do texto.
Contextualizando essas considerações aqui contextualizadas, recorremos ao momento em que Ambrose Bierce ouviu a história sobre o desaparecimento de Orion Williamson, dedicando-se em seguida a entrevistar e apurar sobre o fato, publicando suas observações em forma de história de terror e aparentemente fictícia. O autor se apoderara do texto de outro(s), inevitavelmente se apropriou de seu significado e o ajustou às suas particularidades inerentes em seu estilo de literatura, acrescentando a própria linguagem literária e provavelmente omitindo ou excluindo alguma outra parte que considerasse desnecessária.
No momento seguinte em que McHatten, por sua vez, apoderou-se da história contada por Bierce, e a recontou segundo seus interesses pessoais, alterando e acrescentando fatos conforme julgasse apropriado, tem-se um novo exemplo da função de um texto definida pelo leitor. Da mesma forma, esse texto pode ter sofrido outras alterações, atravessado continentes e sobrevido dois séculos, sendo que Williamson tornou-se agora o bisavô do amigo de um amigo seu, adquirindo a forma de lenda urbana a despeito de sua possível legitimidade: há alguns anos foi realizado um estudo para determinar a possibilidade da existência de ambos os personagens, David Lang e Orion Williamson; constatou-se que ao contrário do primeiro, criado por McHatten, o segundo realmente consta em registros como residente de Alabama no ano de 1854, bem como indícios de seu misterioso desaparecimento, conquanto suas circunstâncias persistem inexplicáveis.
Entre os aspectos apontados anteriormente para a composição e propagação de uma lenda urbana, sob o ponto te vista teórica nos deparamos com sua função comunicativa. Classificada de acordo com a intenção de alertar, seja na forma da variação de contaminação ou admonitória, a lenda urbana visa incitar a reação do receptor, sendo esta sua função comunicativa: a compreensão responsiva aludida por Bakhtin, como forma de “concordância, adesão, objeção, execução, etc”.
A concordância, adesão, objeção e execução são incorporadas pela lenda urbana no que diz respeito ao leitor/receptor que, respectivamente, concebe-a como verdadeira, adere ao seu conteúdo e executa uma ação direta, configurada pela transmissão a outros, geralmente amigos e familiares, que não quer que sejam atingidos pelas consequências da história. Por outro lado, em caso de objeção, a história é imediatamente desmentida e resulta algumas vezes em páginas online especializadas em desmenti-la, como o Snopes.com.
Neste sentido, Souza observa que para Bakhtin, “cada texto é construído como um ‘escopo intencional’”, no qual “a necessidade de se comunicar integra um contexto cultural – todo ato de comunicação tem um propósito definido, um alvo pretendido como sua consequência direta” (Souza apud Bakhtin).
No âmbito dessas considerações, tomou-se conhecimento do modelo de Nord (1991) a partir da leitura de uma tese, o que representa a apropriação do sentido de um texto anterior segundo a função comunicativa e o escopo intencional subsequente.
Finalmente, retornando ao modelo proposto por Nord mencionado no início deste tópico, será possível analisar os aspectos pragmáticos da lenda urbana sob o prisma da teoria da tradução e, em seguida, o processo tradutório aqui conduzido.
Recordando, os três aspectos fundamentais do texto, segundo Nord (1991), incluem a) tempo e espaço, b) cultura e, c) a função comunicativa do texto, os quais são prontamente englobados pela lenda urbana. A categoria a) tempo e espaço é relativa a uma sociedade em detrimento de categorias universais; a categoria b) cultura refere-se aos fenômenos dentro de uma mesma cultura e sua relação com outras culturas; a terceira categoria, implica na função comunicatica que cada indivíduo imprime no texto.
Souza atenta ao fato que, segundo o próprio modelo de Nord, a função comunicativa não seria atendida até que o modelo fosse acolhido pela comunidade de teóricos da tradução. Da mesma forma, a função comunicativa da lenda urbana precisa ser acolhida e incitar respostas para atingir terceiros. Ainda nesta linha, a tese de Ladjane de Souza foi acolhida e recebeu uma réplica no âmbito das presentes considerações, salvo as devidas impressões e apropriações de sentido e seleção de significados em prol de, finalmente, sua própria função comunicativa.
As referidas “impressões”, “apropriações” e “seleções” de significado podem ser analisados e determinados por outro modelo de Nord (1991) aqui utilizado, o qual compreende elementos extratextuais e intratextuais, conforme a seguir:
1 Elementos Extratextuais
· Emissor
·
|
· Receptor
· Meio
· Tempo
· Lugar
· Motivo
2 Elementos Intratextuais
· Conteúdo
·
|
· Elementos não-verbais
· Léxicos
· Sintaxe
· Elementos suprasegmentais
Segundo Nord, a análise desses elementos pode ser realizada dentro do texto de partida, anteriormente à tradução, ou no texto de chegada, com vistas à crítica da tradução.
Não obstante, para dar início à análise do objeto de tradução, é importante ressaltar que cada indivíduo não tem uma percepção consciente de que está inserido em uma cultura até que seja confrontado com uma outra. Pelo contário, nos comportamos de acordo com a consciência adquirida pelo processo de absorção de hábitos e costumes herdados ou vivenciados no meio onde crescemos. Em um momento posterior, expostos a uma segunda cultura, somos capazes de fazer discernimentos e comparações em relação à nossa própria bagagem cultural.
Deste modo, antecipa-se as questões a serem tratadas no processo tradutório dos dois textos traduzidos neste trabalho. O primeiro texto trata-se exatamente da história ilustrada anteriormente, a de Orion Williamson. O segundo, é uma das versões da mesma história de Williamson contada por Bierce, desta vez protagonizada por Charles Ashmore e ambientada no ano de 1871 ou 1872, em Quincy, Illinois.
Nesta versão, Charles Ashmore é um rapaz de 16 anos que uma noite sai para buscar água em uma nascente próxima a sua casa e nunca mais retorna. O pai e a irmã partem na mesma noite em sua busca, orientados pelas pegadas deixadas pelo rapaz na neve. No entanto, em um determinado momento, o pai hesita ao perceber que as pegadas subitamente cessaram em um ponto, sem qualquer indício de continuarem ao redor ou adiante destas. O pai e a irmã mais velha vão até a nascente, porém constatam que a água está congelada e, portanto, o filho sequer chegara até ali – e aparentemente em parte alguma. Alguns dias depois, a mãe de Charles conta que, após ir até a nascente para buscar água, ouvira a voz do filho no caminho de volta, exatamente no ponto onde as pegadas acabavam. Embora a voz fosse muito clara, não conseguia discernir suas palavras. Os familiares consideraram devaneios da mente atormentada pela perda do filho, porém eles mesmos ouviram a voz, assim como terceiros, em dias próximos, porém diferentes, até que não se ouviu mais.
Conforme visto, o mesmo texto passou por outras alterações, desde a origem até as lendas urbanas. Nos textos em questão, assemelha-se o fato do desaparecimento e o surgimento da voz do desaparecido, tudo envolto em ar de mistério. Em tempos mais recentes, o aspecto fantástico foi restrito ao desaparecimento inexplicável, e segundo a proporcionalidade do tempo e espaço atual, justificado, por exemplo, por aquele que saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou.
1 Relatório
Ao traduzir os referidos textos e delinear as reflexões acerca dos mesmos, entrelaçando-os com os aspectos da lenda urbana, buscou-se investigar evidências dos mesmos na cultura brasileira a fim de comprovar as pressuposições referentes a lendas. Como era de se esperar, conforme afirmado anteriormente, as lendas atravessam épocas, continentes e culturas.
Partindo diretamente do tema – desaparecimentos inexplicáveis – encontrou-se entre os resultados da investigação histórias similares, que inclui um diplomata desaparecido, um batalhão ‘raptado’ por uma nuvem de poeira, os desaparecimentos de Stonehenge, um senhor que desaparece em um ônibus, até aqueles que correspondem à nossa busca, tais como o “menino da fazenda”[1], lembrando-nos tanto do fazendeiro Williamson quanto Charles Ashmore por supor uma mesca das duas história já que é ambientada em uma fazenda e se tratada de um menino, o qual poderia ter envelhecido ou juvenescido com o passar dos anos e de boca em boca. Encontramos, inclusive – ta-ta-rá! – a lenda de David Lang, conforme transcrita a seguir:
A lenda de David Lang:
Este caso famoso alegadamente aconteceu em 1880 em uma fazenda perto de Gallatin, Tennessee a vista de várias testemunhas.
As duas crianças de Lang, George e Sarah, estavam brincando no pátio da frente da casa da família. Seus pais, David e Emma, vieram a porta da frente, e David se dirigiu a um pasto na direção de seus cavalos. Naquele momento, um carro que trazia um amigo da família, o juiz August Peck, estava se aproximando.
David se virou para voltar para casa, viu o carro e acenou para o juiz enquanto andava atravessando o campo.
Uns poucos segundos depois, David Lang, na frente de sua esposa, das crianças e do juiz, desapareceu subitamente. Emma gritou e todas as testemunhas correram para o lugar onde David estava, pensando que talvez ele houvesse caido em um buraco de algum tipo. Não havia nenhum buraco.
Uma busca completa realizada pela família, amigos e vizinhos nada revelou. Uns poucos meses depois do desaparecimento inexplicável, as crianças Lang perceberam que a grama no lugar onde o pai delas tinha desaparecido tinha ficado amarela em um círculo que media uns 15 pés de diâmetro. Uma das crianças gritou e todos eles ficaram chocados ao ouvir que seu pai respondia a seus chamados. A voz de David foi claramente ouvida por várias horas antes quedesaparecesse para sempre. A familia erigiu um memorial no lugar onde David Lang tinha sido visto pela última vez.
David Lang nuna mais foi visto.[2]
David Lang nuna mais foi visto.[2]
Nesta versão, comparada com a traduzida a partir da históia de Bierce, David Lang é o próprio Orion Willianson, o qual não tem mais apenas uma criança, mas duas; o vizinho é um juiz, e a esposa e “as crianças” recebem nomes. O próprio início da história faz um apelo ao leitor, onde alega que sua história é alegadament verdadeira, mesmo recurso presente nas lendas urbanas.
A contraposição destes textos representam textos-respostas uns aos outros. Ao que tudo indica, foram inicialmente sugeridos pelo desaparecimento de Orion Williansom e eternalizados pela sua transformação em conto por Ambrose Bierce. Em seguida, McHatten, proporcionou-lhes um novo aspecto, o de lenda, pois não era possível legitimar o texto com base em nenhum banco de dados oficial do governo americano. Passaram-se 200 anos e nos deparamos com a mesma história, sendo analizada em resposta ao fenômeno, cuja função comunicativa, contexto e espaço são completamente diferentes. Da mesma forma, pertencentes à mesma lógica, a história de Charles Ashmore é uma versão em resposta à história de Williamson, paralelamente replicada pela versão de David Lang por McHatten, por sua vez traduzidas para a língua portuguesa e sem sombra de dúvidas para outras línguas, tais como foram as histórias de “chapeuzinho vermelho” ou “pinóquio”, simbolizando que essas comunidades distintas acolheram a história.
Neste aspecto, estamos diante dos elementos extratextuais aludidos por Nord (1991), englobando emissor (Bierce, McHatten, releituras das histórias dos mesmos, discursos indiretos ou “amigo do seu amigo”), intenção (neste caso, suscitar o terror, ou de outras como LSD, prevenir que jovens aceitem doces de estranhos), receptor (qualquer indivíduo que se disponha a ouvir/ler a narrativa), tempo (1854, 1880, atualidade), lugar (Alabama, Illinois e Brasil) e motivo (segundo Bierce, reproduzir uma história cujo assunto lhe interessava; segundo McHatten, fins lucrativos; terceiros, propagar lendas urbanas ou simplesmente contar o que leu/ouviu por aí para outros interessados como Bierce). Reunidos e combinados, estes aspectos formam sua função textual, então geralmente proporcionais às características das lendas urbanas modernas.
No âmbito dos elementos intratexturais, serão abordados o assunto, o conteúdo, pressuposições e escolhas lexicais e sintáticas durante o processo, tendo em vista tradução de um texto da língua inglesa, escrito há duzentos anos, com o contexto atual.
As pressuposições serão levadas em conta de acordo com sugestões advindas do texto e as respectivas respostas do tradutor, considerando sua consciência e subjetividade sob a ótica de sua bagagem cultural e concepções relacionadas às escolhas de tradução.
Deste modo, é relevante partir do princípio que a própria escolha dos objetos de tradução refletem a personalidade do tradutor, pressupondo, no mínimo, que existe algum grau de afinidade com os mesmos. Esta suposição poderá indicar, portanto, se o tradutor tem familiaridade com o tema e é capaz de reconhecer o perfil estilístico. Por fim, provavelmente suas escolhas tradutórias em relação ao léxico e sintaxe serão delimitadas pelo universo compartilhado pelo tradutor. Contudo, poucas coisas são perfeitas, correndo o risco de serem lendas: nem todo tradutor está livre para traduzir o que lhe apetece ou agrada.
Embora seu ambiente de trabalho tenha mudado e expandido consideravelmente, onde trocou-se a mesa e extensa estante de livros, dicionários e catálogos para um desktop e alguns favoritos de páginas online, as dificuldades e desafios – bem como opções ou poder de escolha – que circundam a tradução não foram eliminados, mas facilitados. Pior seria, é verdade, se fossem tratados como obstáculos a serem simplesmente pulados, sem a mínima resolução, ou burlados, sem o menor respeito pelo ofício.
O tradutor tem sido, felizmente, empurrado pelos avanços tecnológicos, mesmo porque esses avanços são sinais de progresso nas formas de comunicação e, a tiracolo, do volume de informação. E a informação é crucial. A forma de informar é determinante. Com o advento e posterior popularização da Internet, o tradutor tem sido o intermediador entre a informação e a forma de propagá-la. O tradutor, portanto, tem o poder de determinar o meio.
Neste interim, sua forma de conceber a leitura da informação definirá suas escolhas, as quais pesam diretamente sobre a formatação da informação a ser lida por um outro indivíduo, o qual utilizará mecanismos de leitura adquiridos de forma distinta do tradutor. Por fim, as escolhas lexicais, sintáticas e impressões transmitidas ao texto de chegada são resultantes do tradutor indivíduo tendo em vista, por exemplo, suas afinidades com o texto de partida, sendo passíveis de contestação por aqueles que concebem o mesmo objeto de maneira oposta.
Finalmente tratando das escolhadas de tradução propriamente ditas, inicio com a problemática da tradução de nomes. Antes, porém, gostaria de alertar que o relatório focará apenas em aspectos considerados relevantes que exigiram maior reflexão.
Assim, a princípio traduzi os nomes, adepta da corrente que defende a tradução dos nomes, a idéia foi repensada após a leitura de alguns textos teóricos sobre o assunto. Em relação à tradução de nomes próprios em ficção, segundo o artigo[1] de Samira Mizani, tradutora freelancer iraniana, Nord (2003) afirmara que não é tão simples quanto parece.
Entre os diversos fatores envolvidos, há os de cunho fonológico – no qual o nome Richard seria pronunciado de forma diferente no contexto inglês, francês e brasileiro – e o bicultural, considerando que alguns nomes pertencem a duas culturas diferentes, ao passo que outros não. No exemplo ilustrado por Nord, deparou-se com uma tira em quadrinhos em espanhol com personagens nominados Miguelito e Hugo. Miguelito, na comunidade alemã, é imediatamente recebido como estrangeiro, considerando sua recorrência escassa neste ambiente. Hugo, no entanto, tende a ser identificado como alemão. As opções do tradutor, propostas por Nord, a fim de evitar a situação bicultural, seriam substituir Miguelito por um nome tipicamente alemão, anulando portanto sua identidade espanhola; ou substituir Hugo por um nome comum em países de língua espanhola, dependendo da intenção (ou função comunicativa) em definir o aspecto estrangeiro ou doméstico do texto.
Sob este prisma, os textos traduzidos selecionados para a presente análise depararam-se diretamente com essa questão: nomes de origem inglesa que possuem equivalentes diretos no Brasil, conquanto ainda podem causar estranhamento ou associações com uma cultura estrangeira. Deste modo, inicialmente buscou-se traduzir os nomes nitidamente estrangeiros Charles, James, Armour, Andrew, etc., e adaptar a ortografia de outros como Martha e Christian para o padrão nacional.
Contudo, seria igualmente necessário importar as localidades ambientadas na história como Alabama e Illinois para equilibrar a adaptação dos nomes. Requer-se-ia, também, a adaptação de outros elementos interligados no texto para adequarem-se com a nova adaptação. Por exemplo, uma vez que mudasse o âmbito da história do Alabama para, suponha-se, algum lugar da região norte brasileira, certamente seria necessário trocar o elemtno das pegadas na neve para pegadas na lama, visto que não é comum nevar no país e muito menos na região norte. Na região sul do Brasil há casos de neve, porém não são significativos a ponto de ambientar a história no país.
Ao finalizar a reflexão teórica e considerações sobre a tradução, concluindo em deixar claro o aspecto estrangeiro e importação da história, optei por manter os nomes dos personagens e das localidades, adaptando somente a ortografia de alguns, tais como New York para Nova Iorque e Martha para Marta.
A seguir, destaca-se a adaptação das medidas presentes no original de acordo com a situação em que apareciam. Em ambos os textos, a medida yards aparece em diferentes contextos, porém referindo-se a grandes, curtas ou médias distâncias, aparantemente sem prejuízo do efeito pretendido. No Brasil, contudo, após consultar algumas pessoas a este respeito, diferentes medidas afetam na na estimativa da distância pelo receptor. Por exemplo, considere que 1000 metros equivalem a 1km, onde a medida de quilômetros tende a ser vista como uma distância maior a metros. Pura concepção, variável de indivíduo a indivíduo.
Assim, um locutor diz: “percorro à pé, todos os dias, 2 mil metros até a escola”. O receptor, por sua vez, prontamente, não associará 2000 metros com 2 quilômetros , e portanto poderá achar a distância tolerável. No entanto, se o locutor diz: “percorro à pé, todos os dias, 2 quilômetros até a história”, o receptor, diante da pronta associação de quilômetro com uma distância considerável, poderá ficar surpreso com essa notícia. Outro exemplo factual está nas demarcações de corrida de cooper: a distância percorrida pelos atletas são marcadas segundo metros, não quilômetros.
Neste sentido, busquei adaptar as distâncias mencionadas nos textos de acordo com a situação em que se encontravam. Em um momento, ao dizer que a distância entre a casa e a nascente não é longe, optei por converter a medida em metros. Em contrapartida, se refere-se à extensão do pasto, parece ser mais apropriado falar em hectares. Do mesmo modo, a proporcionalidade das medidas após a conversão nem sempre foram exatas, levando-me a arredondar o número e acrescentar recursos como “cerca de” quando era aquém da original, ou “um pouco mais de” quando ultrapassava.
Outro ponto semelhante ao da tradução dos nomes foi a tradução das formas de tratamento formais presentes no inglês, como Mrs[2] para mulheres, comumemente traduzidas como “Senhora X”, onde “X” representa o sobrenome que a esposa recebe do marido, e Mr para homens, e Miss para solteiras. Exceto para o último, Miss, o qual é obsoleto, embora utilizado parcamente, o português utiliza os equivalentes de Mr e Mrs, ou senhor e senhora, ainda que também parcamente e em situações muito formais, onde se dirige diretamente à pessoa em questão.
Não obstante, não é difundido no Brasil o uso de senhor ou senhora acompanhado do próprio sobrenome ou de casamento, a não ser em situações estritamente específicas. Deste modo, quando o texto alude à Mrs Williamson, referindo-se à esposa de Williamson, optei por simplesmente explicar que se tratava de sua esposa (informação disponível no texto). Em outros momentos, contudo, refiro-me ao vizinho de Williamson como “senhor Wren”, por concebê-lo como um senhor, imprimindo assim meu significado sobre o texto, enquanto aboli o título de senhor para o personagem de Williamson.
Ainda apropriando-me dos significados dos textos, imprimi em diferentes momentos a percepção concebida pelas palavras. Em outros, incapaz de encontrar uma tradução direta para a palavra ou termo, recorria à sua interpretação e breve explicação, como no caso de “esposa de Williamson” no lugar de “senhora Williamson”. Neste último contexto, por exemplo, na passagem que cita coach horses, não encontrei equivalente direto, e caso encontrasse, corria o risco de se tratar de um termo restrito ao contexto de cavalos, incomum ao público em geral e incoerente à simplicidade estilística predominante no texto. A opção, após averiguar com pessoas que entendem do assunto, foi explicar que se tratavam dos cavalos que conduziam a carroça. Adiante, a história relata que a esposa corre com a criança em seus braços (in her arms). Conquanto a tradução literal é perfeitamente aceita na língua de chegada, optei por uma linguagem mais idiomática, ou seja, “em seu colo”.
Quando ao primeiro aspecto, alude-se às escolhas semânticas segundo impressões pessoais. Em inglês, o autor relata que as pegadas terminavam (had ended) em um determinado ponto; contudo, considerando que, na verdade, elas simplesmente foram interrompidas, sem explicação aparente, na tradução imprimi a concepção pessoal em relação ao verbo “cessar”, o qual pressupõe que existia uma atividade em curso, sendo subitamente interrompida ou finalizada, concluída. O mesmo ocorreu em “desolada” para grief-stricken, na qual assumo como um sentimento associado a sensação de uma perda inconsolável.
Por fim, no depoimento narrado em um dos textos, há a presença de [sic], marca que denota um erro na sentença, embora seja do locutor. Não foi possível identificar, porém, se esta marca foi inserida pelo próprio Bierce, em alusão aos ataques contra suas habilidade gramaticais; se foi uma marca atribuída propositalmente ao personagem, conquanto não reconheça o significado de tal caracterização ou mesmo se foi inserida por aquele que transcreveu o texto para a Internet, de onde o extraí.
De todo modo, mantive a marca e procurei adaptá-la à tradução, o que acarretou ponderações penosas. Primeiro a marca faz alusão à hanging [sic] the team for the fence, o que não faz sentido imediato em inglês. Porém, partindo da ideia que o erro era do personagem, busquei uma forma de traduzir a ambiguidade da sentença e ao mesmo tempo soar como se completamente lógica na consciência do personagem, optando por “atravessava o grupo pela cerca”, onde não é possível atravessar “pela” cerca, mas “a” cerca, e no entanto compreende-se a intenção comunicativa do personagem.
Em outro momento, a marca aparece diante da palavra deceased, ou seja, morto. Sem entender a marcação, busquei descobrir se a palavra possui algum sentido peculiar e encontrei apenas que é usada em geral em situações formais. O correspondente em português consistiu em outra busca cuidadosa, todavia com resultados insossos. Indecisa entre “finado” e “falecido”, optei por “falecido”, uma vez que finado tem uma conotação mais interiorana.
Referência Bibliográfica
Nord, Christiane. Loyalty and Fidelity in specialized translation. Disponível em: http://confluencias.net/cfl/category/n-4/
Souza, Ladjane de. Traduções em diálogo. Disponível em:
http://www.scientiatraductionis.ufsc.br/dialogo.pdf
Künzli, Alexander. The ethical dimension of translation revision – an empirical study. Disponível em: http://www.jostrans.org/issue08/art_kunzli.pdf
MIZANI, Samira. Proper names and translation. 2008. Disponível em:
http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/USAbierce.htm
http://www.prairieghosts.com/bierce.html
AMBROSE, Bierce. The Difficulty of Crossing a Field. In: http://www.online-literature.com/bierce/1995/
________________. Charles Ashmore’s Trail. In: http://www.online-literature.com/bierce/1988/
Online Etymology Dictionary. Dictionary.com. http://dictionary.reference.com/browse/belated
Your Dictionary. http://www.yourdictionary.com/dictionary-articles/
The Free Dictionary. http://thefreedictionary.com
Wikipedia. http://wikipedia.org
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