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Os perrengues de Fernando Pessoa como tradutor: quando os clientes não pagam




✎ Por Fátima Rufina dos Santos

Na correspondência de Fernando Pessoa, o tempo e o cuidado dedicado à tradução são apreensões que andam lado a lado com a questão de ordem financeira. Fernando Pessoa não deixa de manter os seus correspondentes ao corrente de uma questão tão prática como é a questão do dinheiro que estará presente a propósito das mais variadas situações. As suas várias experiências empresariais, que invariavelmente não alcançaram o sucesso, no momento da conceção não deixaram de estar subordinadas a estudos de ordem financeira, dado o interesse do poeta por esses assuntos. Havia ainda os projetos que não singravam apesar de parecerem pensados nos pormenores: “Há um preço fixado: dois xelins por 75 (setenta e cinco) palavras de texto original (exceto nos casos extremos de grande dificuldade técnica). (SILVA, 1998, p.386) 

Uma vez mais, a questão financeira põe em destaque a atenção de Fernando Pessoa à questão do valor a cobrar pelas traduções: 

Quanto ao preço, por que seriam pagas essas traduções, creio que o único sistema a adotar é o sistema de “royalties”, como se aplica às traduções deste género. Esse sistema é o mais justo. (ZENITH, 2007, p. 237) 

A atenção que Fernando Pessoa dedica a este assunto não se resume apenas ao aspeto mais pessoal do pagamento das traduções, o seu interesse e o seu conhecimento estende-se a áreas que lhe são caras como os aspetos econômicos relacionados com os seus projetos, como transparece na carta à Mandrake Press, em 12 de Setembro de 1930:

[...] Este ponto não necessita de muitos comentários, excepto que esse estabelecimento seria mais barato em Portugal, onde a mão-de-obra é, em geral, barata, especialmente se considerarmos a desvalorização da nossa moeda. 
Tenho para mim que as matrizes seriam na forma final.
A impressão – isto é, das próprias máquinas – não é muito boa em Portugal, mas não é tão má que se não possam imprimir aqui livros. Porém, a sugestão do Sr. Crowley – de que a preparação de livros “difíceis” fosse feita aqui e as matrizes enviadas para Inglaterra para a impressão aí – é a correcta e apropriada neste caso[...]. (ZENITH, 2007, pp. 334-335) 

A notória atenção e o entusiasmo que Fernando Pessoa dedica aos projetos são manifestos nas mais diversas circunstâncias na correspondência trocada. A atenção às preferências do mercado e o peso de cada língua em função desse mesmo mercado são reveladoras de uma cuidada atenção ao pulsar da economia e ficaram registadas na carta que Fernando Pessoa redigiu, provavelmente, em 1917 a uma empresa americana: 

Traduzimos também de e para todas as outras línguas; e, se mencionámos sobretudo o espanhol e o português, não é porque o nosso trabalho nessas outras línguas seja menos perfeito – pois somos cuidadosos em todo o nosso trabalho -, mas simplesmente porque as traduções de e para espanhol ou português são as que, neste momento, são as mais necessárias, sendo as línguas faladas nos mercados actualmente de maior importância para o exportador, dentre aqueles que não falam inglês. (SILVA, 1998, p. 252) 

A questão do dinheiro é reconhecidamente uma questão fulcral na ligação entre o trabalho apurado de tradução e o tempo que lhe está implícito com a inevitável repercussão nos projetos a que o poeta gostaria de dar mais atenção. Na carta de 19 de Novembro de 1914 a Armando Côrtes-Rodrigues, Fernando Pessoa lamenta-se e desculpa-se por estar à bout de ressources, a precisar urgentemente da ajuda, pois não receberá o dinheiro da tradução dos provérbios tal como tinha pensado. Um trabalho terminado e que só será pago quando o livro for publicado, uma referência que marca também a incerteza associada ao trabalho da tradução, dificuldade que amplia o problema da falta de tempo para a obra literária: 

O meu estado de espírito obriga-me agora a trabalhar bastante, sem querer, no Livro do Desassossego. Mas tudo fragmentos, fragmentos, fragmentos. Para acabar a minha desolação material e exterior, imagine você que a única coisa com que eu neste momento podia (parecia-me que podia) contar - as cinco libras da tradução dos provérbios (parece-me que v. viu-me aqui a trabalhar nisso) – faltou-me. Os homens só me mandam aquilo quando publicarem o livro, depois da guerra! Uma catástrofe, meu caro. Olhe lá, a este propósito e se o pedido o incomodar tenha-o como não feito, V. podia emprestar-me vinte mil réis? Eu não sei quando lhos poderei devolver, e de mais a mais, já lhe devo aqueles cinco que v. uma vez me emprestou na Avenida. Mas se lhe peço isto, meu caro, é que estou absolutamente à bout de ressources... (SILVA, 1998, p. 132)

Curiosamente, o foco certeiro para as questões de ordem prática que se encontram nas cartas dirigidas às empresas e que têm como intenção causar boa impressão sobre a qualidade do trabalho que pode realizar esmorece quando se lamenta dos atrasos no trabalho e nos pagamentos ou quando se angustia com o tempo que também lhe escasseia, como se pode ler na carta datada de 26 de abril de 1916 que dirige a Mário de Sá Carneiro, confessando-se de modo crítico em relação à gestão do tempo que as traduções lhe exigem: "Tenho atrasado o meu trabalho de traduções. Há mais de um mês que tenho para traduzir um livro de 100 páginas pequenas, que, normalmente, eu traduziria em 5 dias. E ainda não tenho, traduzidos senão 30 páginas." (SILVA, 1998, pp. 211-212).

Parte das angústias pelos constantes atrasos nos pagamentos de seu trabalho como tradutor podem ser lidos em trechos extraídos do seu diário. Veja a correlação aqui.

★★★

Este texto foi integralmente extraído do artigo A Lisboa de Fernando Pessoa - o olhar do tradutor (aspectos do escritor multicultural), de autoria de Fátima Rufina dos Santos. Tentei entrar em contato com a autora, infelizmente, não achei nenhum meio possível. Caso deseje retirá-lo do ar, por gentileza enviar-me uma nota.

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