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Como as palavras são traduzidas em Emoji



Por Janaina de Aquino


Há poucas semanas estava conversando com amigos através do WhatsApp, aplicativo de mensagens instantâneas, quando, ao digitar a palavra "tira", em referência ao verbo "tirar", apareceu como sugestão a imagem de um policial. Isso mesmo, alguém disse para o corretor do WhatsApp que "tira" é uma gíria para policial, assim como cop, em inglês, está para police officer ou Bulle (nada cordial), em alemão, está para Polizei. Em outra conversa, desta vez em inglês, o aplicativo prontamente exibiu o Emoji 👍 quando inseri a palavra nice ("legal", em inglês). Finalmente, a novidade chegou  de vez no Brasil e posso compartilhar algumas considerações sobre este interessante "fenômeno".

Antes de prosseguir, primeiro precisamos entender como um corretor ortográfico consegue ler, interpretar e traduzir uma palavra em um símbolo visual. 

Pouca gente se dá conta ou se importa em pensar sobre isso, mas existem vários pesquisadores dedicados a explorar as diferentes formas como um computador é capaz de processar a língua natural, esta que uso para falar com você. Considere o exemplo dado no livro Language and Computers (2013) de que alguém aponte para um livro e diga: "ele não é um Shakespeare!". Para responder a esta pergunta, você precisa discernir qual o significado dado a "ele". A conclusão imediata é de que se trata do objeto, não da pessoa, mas você pode fazer a livre associação de que a referência seja "ele, o autor, não é um Shakespeare", ou seja, não se compara ao maior escritor de língua inglesa. Ótimo, o problema é que um computador não consegue pensar da mesma forma - a menos que isto seja ensinado para ele. Daí a minha dúvida acima sobre "quem disse para o corretor que 'tira' significa gíria para 'policial' em brasileiro"?

O que precisa ser refletido aqui, para compreender a discussão abaixo, é: "quando um computador olha para uma língua, o que ele vê?". Para os autores de Language and Computers, não importa o que você deseja fazer com uma língua, deve-se encontrar uma maneira de representá-la. Eis onde Emoji e corretor ortográfico entram em cena.

Quando pensamos sobre língua, existem duas formas de representá-la, nomeadamente, via oral ou escrita. O que nos interessa agora é a versão escrita, cujo sistema, em termos gerais, serve como meio de reproduzir o discurso oral e está dividido em três tipos: alfabético, silábico e logográfico. Este último envolve um símbolo que carrega um significado, por exemplo, pictogramas (símbolo que representa um objeto ou conceito por meio de desenhos figurativos) que, por sua vez, englobam o fantástico mundo dos Emoji.

Emoji são “caracteres de imagem” e surgiram, originalmente, nos celulares japoneses, daí o seu nome:   (e ≅ imagem, figura) +  (moji ≅ caractere escrito). Sua popularidade foi alçada para o mundo depois que a Apple os disponibilizou nas suas plataformas em 2011. Desde então, tornou-se uma febre mundial a tal ponto que os Emoji logo foram adotados por outras empresas como Google e Microsoft e chegaram até mesmo a ultrapassar barreiras virtuais (quem nunca viu almofadas, chaveiros, cadernos e muitos outros apetrechos estampados com algum dos mais famosos Emoji: 𒀟💩😍😋😊 etc. etc. etc.) e, acredita-se, linguísticas. Peraí! Emoji são uma língua? Uma tendência forte, que merece ser brevemente discutida. Uma evidência é este artigo publicado no The Guardian (em inglês) que os trata como a primeira língua verdadeiramente universal (digamos, o Esperanto que deu certo).

E não para por ai. Em 2013, o pictograma chorar de tanto rir (😂) entrou para a lista de verbetes do respeitado dicionário de língua inglesa Oxford e, dois anos depois, foi nomeado pelo mesmo como a palavra do ano (leia aqui, em inglês) por melhor representar as preocupações, caráter e humor daquele ano. Tamanha é a popularidade dos Emoji que a Universidade de Bangor, Inglaterra, os descreveu como o idioma que mais cresce no Reino Unido (em inglês). No campo das artes, os Emoji fazem parte do acervo do Museu de Arte Moderna, MoMa, desde 2016 (em inglês).

Aparte desses episódios notáveis, creio que algumas observações se fazem necessários.

Por um lado, Emoji não são bem uma língua uma vez que não têm gramática ou vocabulário próprios para substituir em uma linguagem escrita. Por outro lado, sem se desfazer do poder da linguagem humana, as pessoas gostam de recorrer aos Emoji para preencher a impossibilidade de veicular com uma dose a mais de emoção certos gestos, expressões faciais e tom de voz em uma mensagem escrita.  Assim, quando separado por uma tela de celular, você pode expressar o seu descontentamento com alguém que cometeu uma falta grave com você ao simplesmente enviar esta carinha aqui: 😠. Poupa um textão e ainda transmite o seu sentimento no momento, não é mesmo? E quem nunca, desde a difusão recente de aparelhos celulares e acesso à internet e dos consequentes grupos de família e de amigos, usou a sequência 🎁🎂🎉🎈🍻 para resumir a sua mensagem de aniversário?

Estes são apenas alguns dos muitos exemplos para nos mostrar que, quase uma década desde sua criação, os Emoji provaram a que vieram: concebidos por Shigetaka Kurita e sua equipe no fim da década de 1990 durante um projeto voltado para, sobretudo, desvendar uma forma de permitir que mensagens transmitissem a maior quantidade possível de significado de uma vez só por meio de um tipo de conteúdo textual único, os Emoji também tinham como missão reforçar e preservar a tendência da sociedade japonesa nas suas relações tanto individuais quanto coletivas. Para Kurita, os Emoji eram o ingrediente que faltava para que as pessoas pudessem se comunicar mais estreitamente, recurso então indisponível nos programas de e-mail e mensagens de texto da época.


Primeiros Emoji criados por Kurita em 1999.

Em tempos de Instagram e Snapchat, onde predomina a linguagem visual, os Emoji também encontraram seu lugar ao sol, mais precisamente em meados de 2016 quando uma equipe de engenheiros da empresa de tecnologia virtual Curalate desenvolveu uma ferramenta, batizada de Emojini, que convertia automaticamente as legendas das fotos postadas no Instagram em Emoji.

A técnica consiste em brincar com a visão computacional, um tipo de ciência composta por complexos modelos de sistemas artificiais que "enxergam" e interpretam informações de imagens ou quaisquer dados multi-dimensionais a ponto de reconhecer objetos e compreender seus significados (mesmo tipo de tecnologia usada pelo Google Translate na leitura de placas, por exemplo). Se o usuário publicar uma foto de um buquê, a sugestão é o de um emoji de flores ou sequência de elementos correlacionados, como uma joaninha; 




Enquanto desenvolviam o Emojini, os engenheiros da Curalate, quase por acaso, decifraram um código até então pouco discutido, o de significados secundários e não-semânticos dos Emoji, ou seja, a maneira alternativa como as pessoas passaram a usar certos símbolos e ícones em relação àquela originalmente atribuída pelos seus designers ou mesmo ao que o objeto físico corresponde no mundo real.  

É o que acontece quando você carregar uma foto de uma lata do energético Red Bull: a Emojini irá associá-lo com o Emoji "mãos abertas", que lembram um par de asas, não dois bois, um de frente para o outro. A alusão fica por conta do slogan da empresa "Red Bull te dá asas". O mesmo tipo de interpretação não tão óbvia (ao menos para uma máquina) ocorre se você enviar uma foto de uma tatuagem de flores: a ferramenta sugere uma seringa, como sabemos elemento essencial do processo de se tatuar - no lugar de uma flor, tulipa, girassol, rosa ou hibisco que, em tese, representam a imagem em si.



Não é difícil constatar aqui que, aos poucos, Emoji adquirem mais e mais "independência" semântica. Para o engenheiro chefe da equipe da Emojini, Lou Kratz, é o significado secundário empregado pelos usuários que têm feito com que os próprios Emojis evoluam para sua própria linguagem visual.

Esta "interferência" está tão comum que a própria página do UniCode (um sistema padrão que permite aos computadores representar e manipular, de forma consistente, texto de qualquer sistema de escrita) reconhece que os Emoji acrescentam certa "ambiguidade" às mensagens, o que possibilita ao usuário empregar conceitos variados a um mesmo pictograma simultaneamente. De fato, nos dias atuais, Emoji não possuem uma semântica própria, isto é, significados isolados. Isto porque os caracteres de Emoji são tratados como pictogramas, logo são codificados no Unicode com base principalmente na sua aparência, não no seu "significado". A transformação ocorre na medida em que são difundidos e apropriados pelas diferentes sociedades, onde os Emoji ganham novas interpretações, ao gosto do freguês, por assim dizer. Por exemplo, o emoji para banco, que inclui as letras "BK", passou a ser cunhado com duplo sentido no Japão de bakkureru (uma gíria para se referir às responsabilidades de alguém). E quem se lembra da interpretação que a socialite dos EUA Kim Kardardashian deu ao Emoji 🍑?

Não espanta que, depois de fazer isso com imagens, não levaria muito tempo para converter Emoji em palavras (ou vice-versa). Eis que finalmente temos terreno sólido para tratar da tradução de palavras em Emoji.

Em verdade, os esforços para facilitar o processo de digitação com Emoji têm sido o foco de muitas empresas já há alguns anos. O aplicativo da Microsoft SwiftKey, por exemplo, empenhava-se em testar o sistema de sugestão Emoji enquanto o usuário digitava. Em 2015, divulgou um relatório sobre o uso de Emoji  ao redor do globo (disponível em inglês aqui):




Já o Gboard para Android, da Google, estreou a ferramenta de busca de Emoji (francamente, tinha que ser, né?!). Mas foi o aplicativo Emojifi que saiu na frente ao concretizar a ideia de, ao invés de forçar os usuários a trocarem de teclado (do tradicional para o de Emoji), permitir a introdução de sugestões automáticas de Emoji com base em palavras previamente classificadas (ou tags), posteriormente utilizadas durante o processo de digitação.



O aplicativo já vem com algumas palavras previamente associadas a determinados Emoji, mas o usuário tem a liberdade de personalizá-los de acordo com as suas preferências. Quando o usuário marcar o pictograma 😀 como "feliz", na próxima vez que digitar esta palavra, aparecerá automaticamente na barra de Emoji. 

Varun Medapuram Subramanya, criador do Emojifi, explica que a idealização do projeto é fruto de frustração pessoal com os demais aplicativos até então disponíveis no mercado, os quais não possuíam a sugestão automática, somente as "páginas" de Emoji para você buscar aquele que procura. O problema, segundo Subramanya, ele mesmo um usuário ávido do recurso de caracteres, é que mesmo quem os usa com frequência, têm dificuldade para encontrar esse ou aquele Emoji específico. Porém, como discutido acima, cada pessoa pode ter uma maneira diferente de usar um Emoji, por isso ele teve a ideia de deixar a cargo dos usuários a tarefa de lhes atribuir o significado que julgarem mais apropriado.

Certamente atenta a esses desdobramentos, pouco tempo depois do Emojifi, a Apple anunciou, para o lançamento do iOS10, a integração do mecanismo em seu iMessage, atualmente disponível também no WhatsApp. No final de 2016, lançou oficialmente a nova versão, incluindo a remodelagem dos Emoji, em que anuncia a "emojização" do teclado (leia a nota aqui, em inglês). 

Quem ainda não teve seu sistema operacional atualizado e receber a imagem de um pintor ou de uma pintora, receberá um código de erro com interrogação ou a sequência de paletas de tinta e um homem e uma mulher: esta é a combinação que representa aquele que pinta e, consequentemente, um pouco do processo de interpretação da "linguagem" Emoji. 

Este fenômeno têm chamado atenção de terceiros, claro, como a IBM e o Jozef Stefan Institute, um centro de pesquisa europeu, os quais publicaram artigos analisando em quais contextos os Emojis são utilizados com maior frequência. Ainda não há contudo, nenhuma explicação satisfatória para as livres associações. Alguns linguistas têm, inclusive, comparado Emojis a uma forma de onomatopeia, palavras que soam como aquilo que representam. Para os curiosos, Emojipedia é uma boa fonte de informação sobre os significados atuais de vários Emoji.

Por fim, claro, Emoji também caiu nas graças das agências de tradução, que os veem tal qual uma palavra cujo sentido pode mudar drasticamente de uma língua para outra. Existe, agora, a necessidade de traduzir a sensibilidade cultural desses caracteres para evitar cenários desastrosos, como vemos diariamente no campo das palavras.

Se no mundo "real", usamos a expressão "inveja branca", no de Emoji um coração verde pode representar simplesmente inveja, segundo a Emojipedia.

Não à toa, existem agora oportunidades de trabalho para tradutores de Emoji!

Últimas palavras

Além de Emoji que caracterizam profissões, como bombeiro e agricultor em ambos os gêneros e 5 paletas de cores para representar o tom de pele, a nova atualização conta com gestos de facepalm (ato de esconder a face), tirar selfies, rolar de rir ou de encolher de ombros. Outros elementos, como abacates, bacon, copos de uísque, também irão aparecer e até a imagem de um palhaço, uma mulher grávida, a bandeira arco-íris símbolo do movimento gay e uma versão de Pinóquio. Ao todo, são 72 novos Emoji que visam ajudar os usuários a se expressarem melhor. Esta atualização já tinha sido pensada e desenhada em 2016, porém só recebeu apoio do Google recentemente. Os Emoji já estão disponíveis em alguns aparelhos, que utilizam o sistema iOS, e o Android será liberado em breve. 




Fontes

https://www.todaytranslations.com/emoji-language-history
https://techcrunch.com/2016/06/13/emojifi-suggests-emoji-as-you-type-based-on-tags/