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Crônica de Tradutor

Por Raquel Barroso


Algumas blusas, camisetas e casacos, calças e saias, vestidos de gala, perfumes, jóias e acessórios, escova de dente e de cabelo, livros, dicionários e enciclopédias...Hoje comecei a arrumar as minhas malas! Vou-me embora para a minha Pasárgada, a terra de Chávez! Tradutores do mundo, uni-vos! Imaginem a chuva de emprego que cairá bem ali no nosso vizinho agora que o governo decidiu acabar com o inglês na Venezuela!


Tio Chávez quer combater o que chama de 'imperialismo cultural americano' e, agora, pede às companhias telefônicas para abolirem termos em inglês da linguagem técnica e de negócios. A partir do lançamento da campanha, prevista para o dia 25 deste mês, os funcionários vão estar procurando correspondentes no idioma local para estarem usando como equivalentes de expressões como staff, marketing e password. Desta forma, vão estar podendo aderir ao tema da nova empreitada do governo: 'Diga em Espanhol. Diga com orgulho'.

Assim que desembarcar na terra prometida vou estar procurando saber se lá esse tal de gerundismo também virou moda dentre os atendentes das companhias telefônicas, de telemarketing, ou melhor, de T-E-L-E-M-E-R-C-A-D-O-L-O-G-I-A (ufa!!!) e serviços de atendimento ao público em geral. E, se essa mania tiver resolvido entrar no clima da globalização, é de uma dessas empresas aí que eu vou estar tirando meu ganha pão, ganha jóias, ganha carro, ganha casa! Afinal, ganharei muito dinheiro reconstruindo todas essas construções que até o corretor do meu aplicativo comercial para edição de textos (estou entrando no jeito!) faz questão de sublinhar e que resulta da influência da língua do Tio Sam no trabalho dos tradutores de manuais de telemercadologia, o que nos faz perceber que a questão é muito mais complexa, indo além do que possamos imaginar!

Acabo de me lembrar de itens que não posso deixar de levar! Meus CDs, DVDs, um kit de maquiagem de sobrevivência e alguns shorts! Só que no território do ditador é preciso tomar cuidado para não cometer um deslize e me esquecer de usar os devidos correspondentes para 'disco compacto' e 'disco digital versátil', em Espanhol. Um equivalente para short que eu como tradutora hei de encontrar, claro! Caso não encontre, que fiquem os shorts! As águas de março já estão aí fechando o verão mesmo! Imagine só, se isso vai ser problema! Nada, nada me impedirá de correr atrás de um bom emprego e, quem sabe assim, fugir à regra e escapar da sina dos tradutores que só reclamam que não conseguem se sustentar traduzindo?

'Estojo' de maquiagem, além de 'rato' ao invés de mouse, 'sítio' no lugar do tão popular e consagrado site e 'mercadologia' que eu nunca imaginei ser o equivalente ideal para marketing, dentre outras expressões que mal sei em português e ainda terei de aprender em Espanhol! Mas como não há sucesso sem trabalho venho treinando diariamente e incorporando-os, aos poucos, ao meu Espanhol que ainda engatinha.

No entanto, abolir o inglês do dia a dia não é uma tarefa simples! E agora, não me atenho à Venezuela, mas a todas as línguas, culturas e povos do mundo! Empregar novos termos para se referir aquilo que já fora incorporado em uma determinada língua e cultura ao longo dos anos me parece absurdo! Por outro lado, quando fecho os olhos e imagino os 'offs' e 'sales' saltando das vitrines dos shoppings - talvez seja melhor 'centros de diversão e cultura'- sinto vontade de com minhas próprias mãos agarrar o cabo da primeira vassoura que surgir na minha frente e ajudar a varrer os 'até 70% off', os 'garage sales' e todos os seus derivados de uma país totalmente familiarizado com as famosas promoções, liquidações, queimões e saldões de balanço como o Brasil!

Talvez Chávez esteja se sentindo meio escanteado agora que os flashes (sim, eu disse flashes!) só querem saber de Fidel Castro e sua renúncia e esteja mesmo só tentando chamar atenção! Acho que acabo de desistir da minha ida à Venezuela! Algumas blusas, camisetas e casacos, calças e saias, vestidos de gala, perfumes, jóias e acessórios, escova de dente e de cabelo, livros, dicionários e enciclopédias, CDs, DVDs, kit de maquiagem e shorts, é disso que eu preciso para continuar acá! Adiós Chávez! 

Um comentário

Anônimo disse...

Ótima crônica!
Sim, talvez o ditador queira apenas chamar a atenção, fazendo seu showzinho de sempre (show =}) levantando todos os paus e pedras contra a terra de Tio Sam.

Como alguém que estuda a nossa língua, o Português Brasileiro (como não podemos deixar de salientar), não deixo de dar o mínimo de crédito, a este senhor, que já está ficando demasiadamente insano a meu ver, por seu esforço, ainda que furado, em defender sua língua. Lembrando apenas que, assim como nosso português, o espanhol do Sr. Chavez, é sim emprestado de outra terra que em algum momento da história resolveu dizimar os nativos alí existentes e tornar o sul das Américas, uma filial do fim do mundo.

Sr. Chavez, com todo respeito, não são os empréstimos que tornam o seu país mais fraco, ou o domínio americano é mais abrangente que a sua língua. O que enfraquece seu país, de certa maneira, é achar que pode atropelar todo mundo, inclusive o coitado do Tio Sam.